Dia Nacional da Mulher Negra funciona como alerta e instrumento de luta

Por sindoif

Em 10 anos, o número de negras mortas de forma violenta cresceu 54,2% no Brasil. Em 2013, foram 2.875 vítimas

Do MZ Portal 

Elas estão no topo da cadeia de vulnerabilidade. Quando há uma violência contra a mulher, a vítima é negra em mais da metade dos casos. Os dados reforçam o mundo inseguro em que vivem. Em 10 anos, de acordo com o último Mapa da violência, do governo federal, a vitimização entre as mulheres negras no Brasil cresceu 54,2%, enquanto o homicídio das brancas caiu 9,8%. No último domingo, foi celebrado o Dia Nacional da Mulher Negra e ontem foi a vez de lembrar o valor da negritude feminina internacionalmente. As datas marcam com resistência, luta e mobilização um dia especial para reafirmar a necessidade de enfrentar o racismo e o sexismo vivido até hoje por mulheres que sofrem com a discriminação racial, social e de gênero.

Desde 1992, celebra-se em 25 de julho o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, um marco internacional da luta e da resistência das mulheres negras. Há nove anos, a capital federal lembra a data por meio do Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha. A edição de 2016 teve início ontem e segue até 31 de julho debatendo assuntos ligados às questões negras, com eventos no Museu Nacional da República. Outro marco em 25 de julho reforça a luta. Uma lei aprovada em 2014 institui 25 de julho como o Dia Nacional de Teresa de Benguela — uma mulher que se tornou símbolo de liderança e força pela liberdade. Resistiu à escravidão, comandou a estrutura política e administrativa da comunidade em que vivia, em Mato Grosso, e é considerada uma heroína negra.

“No mercado de trabalho, temos menos salário, somos vítimas de uma raiz escravocrata. Temos menos acesso à escolarização, à profissionalização e vivemos em meio a um racismo institucionalizado”

Cleudes Pessoa, escritora, assistente social e militante do Fórum das Mulheres do DF e Entorno

A cada 25 do mês, é ainda celebrado o Dia Laranja, data criada para a Campanha UNA-SE pelo fim da violência contra as mulheres. Pelos registros do Sistmema de Informações de Mortalidade (SIM), do governo federal, entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o número passou de 1.353 mulheres, em 1980, para 4.762, em 2013 — um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil habitantes, saltou para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%.

E os assassinatos contra as mulheres negras passaram de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. “A sociedade tem racismo, tem violência, abuso e isso faz parte de uma construção. Quando a gente faz uma marcha, um ato, é para dizer que não podemos deixar de pensar nisso, não podemos fechar os olhos”, afirma a escritora, assistente social e militante do Fórum das Mulheres do Distrito Federal e Entorno, Cleudes Pessoa, 42 anos. A ativista é nordestina, autora do livro Pedra e flor, que trata da situação das meninas pobres e negras do Nordeste. No movimento em prol das mulheres há mais de 10 anos, a escritora luta pelo fim da violência, do racismo e pela igualdade entre homens e mulheres.

“Os dados mostram que o feminicídio tem raça. E em todos os outros setores somos desprivilegiadas. No mercado de trabalho, temos menos salário, somos vítimas de uma raiz escravocrata. Temos menos acesso à escolarização, à profissionalização e vivemos em meio a um racismo institucionalizado”, declara a militante. O lema é: “Queremos igualdade, o fim do racismo, pelo bem viver das mulheres”. Segundo Cleudes, mesmo que a sociedade negue, não há como esconder.

“É só olhar em volta e, assim, não terá como negar uma desigualdade”, indica. No último domingo, Cleudes e outras ativistas se reuniram na 405 Norte, em um bar, para celebrar as datas de luta. Teve a Feira Preta, um evento com feijoada e arte, além de apresentação de artistas da cidade.

Identidade

O empoderamento feminino é sempre um dos pontos relevantes. Saber que não é feia por ser negras, que o cabelo não é ruim por ser crespo e que a roupa não é “esquisita” por ter uma identidade africana é importante para se fortalecer. Um dos primeiros atos de militância da empresária Maria das Graças Santos, 63, foi abrir um salão de beleza para cuidar dos cabelos das mulheres negras. Ela, que sempre cultivou os cabelos black power, sentia pela falta de um salão específico. Há 24 anos surgiu o Afro N’Zinga Cabelo e Arte, no Conic, o primeiro de Brasília voltado para as negras. “Historicamente, ao nos desqualificar, atacam nossa estética. Que esse cabelo é ruim, esse nariz é largo, essa cor é feia. Trabalhar a autoestima nos fortalece”, explica Graça, que é ainda integrante da Frente das Mulheres Negras do DF.

Para ela, quando uma mulher negra expõe sua identidade, é discriminada em várias situações do dia a dia. “Se eu uso meu cabelo black, estou com uma roupa de marca, um bom sapato, vestida de acordo com o que o padrão social impõe, e vou a um determinado lugar, vão achar que não pertenço àquele ambiente, causo desconfiança. Se entro na loja, acham que ali eu não tenho condições financeiras de comprar. Se dirijo um carro, acham que não é meu. Esse é o preconceito do Brasil, o mais cruel, aquele que é embutido”, descreve Graça, ao lembrar o caso da militante Elizabete Braga, em um mercado da cidade (leia Memória). “A gente bate no peito que somos empoderadas, que somos da luta, e, mesmo assim, acontece com a gente. Isso choca ainda mais”, lamenta.

Para a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília Joelma Rodrigues da Silva, o dia 25 de julho é importante para denunciar as perversidades de um machismo e um racismo que matam, torturam, mutilam e segregam mulheres negras. Joelma afirma que, no Brasil, a democracia racial é um mito que serve, apenas, como arma para silenciar todas as mulheres vítimas. “O racismo se alimenta com o sangue da população negra, e nós, mulheres negras, temos nossas demandas desconsideradas em nome dessa farsa que é a democracia racial. Exigimos políticas públicas com recorte de raça e gênero em áreas como educação, saúde, segurança, habitação, mobilidade, trabalho. Somos sub-representadas nas mídias e nos parlamentos, nas universidades e nos tribunais, o que nos torna mais vulneráveis a toda sorte de violência e discriminação”, justifica.

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