Instituições Federais de Ensino são alvo de censura e repressão
Neste dia 25, faltando 3 dias para a votação em 2º turno, fiscais de tribunais regionais eleitorais apreenderam materiais e fizeram ações de fiscalização em 17 universidades, em nove estados do país. As universidades criticaram a atuação da justiça eleitoral, a três dias da eleição. Os atos ocorreram no Rio, Paraíba. Pará, Minas Gerais, Ceará., Bahia, Rio Grande do Sul. Goiás e Mato Grosso do Sul.
Na Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande, alunos e professores relatam que por dois dias (24 e 25) fiscais do TRE e agentes da Polícia Federal abordaram os professores sobre seus dados pessoais, a disciplina que ministram e o assunto que estava sendo abordado nas aulas. A reitoria da universidade e a associação de docentes confirmam que os homens entraram em várias aulas, entre elas uma aula de ética. No dia 25, fiscais estiveram em um evento organizado pelos alunos “em defesa da democracia” em busca de material de campanha.
Os mandados de busca e apreensão na Paraíba foram expedidos pelo juiz da 17ª zona eleitoral Horácio Ferreira de Melo Júnior. O magistrado afirmou ter recebido uma denúncia por telefone de um servidor da instituição no dia anterior de que estaria havendo panfletagem e manifestação política na universidade. A ação foi realizada no pátio da universidade, onde, segundo Melo Júnior, foram encontrados professores e membros de entidades associativas da universidade fazendo discursos contra um candidato e a favor de outro e também distribuindo panfletos. “Não procede a denúncia de que foram fiscais em sala” afirmou o juiz, que não disse qual candidato os docentes estariam defendendo.
O magistrado determinou ainda a apreensão de um “manifesto em defesa da democracia e da universidade pública” e também “outros materiais de campanha eleitoral em favor do candidato a presidente da República Fernando Haddad”, diz o mandado de busca.
O manifesto foi elaborado pelos docentes em assembleia no dia 17 e divulgado a partir do dia 18. No documento, que não faz referência a nenhum candidato ou partido, os professores elencam dez pontos que defendem que vão desde a “liberdade de ensino e pesquisa” à “estabilidade dos servidores públicos” e à “valorização docente”.
“O ato educativo só é possível em um contexto de liberdade e de democracia, pois somente dessa forma podemos existir e exercer plenamente a nossa condição humana. Desse modo não aceitamos a destruição da educação pública e combatemos veementemente o ódio, a perseguição e a ignorância”, conclui o documento elaborado pela ADUFCG, seção sindical do ANDES-SN.
Neste caso, de acordo com o magistrado, a denúncia foi recebida pela Polícia Federal na tarde do dia 24. Cerca de “três ou quatro” professores e alunos, segundo o juiz, relataram que professores vinculados a associação estariam passando de sala em sala distribuindo o material e discursando em favor de Haddad.
“Isso vinha ocorrendo há três, quatro dias, eu estava recebendo denúncias, mas eu precisava de algo concreto. Foi quando houve a denúncia concreta de professores e alunos” explicou o juiz afirmando ainda que a denúncia “precisa sair somente de uma pessoa”.
A associação dos professores da Universidade Federal de Campina Grande afirmou, por meio de nota, que foram apreendidos pela PF dois HDs dos computadores da assessoria de imprensa da entidade e três HDs externos que estavam na associação. Em nota, sete associações e sindicatos divulgaram uma nota conjunta repudiando “a extrapolação das autoridades responsáveis no cumprimento da lei” e afirmando esperar “imparcialidade” das autoridades na condução das ações relativas ao processo eleitoral.
O juiz Horácio Ferreira de Melo Júnior usou como base para autorizar as buscas o artigo 37 da Lei das Eleições que veda a propaganda nos bens que pertençam ao poder público, como os equipamentos da universidade: “Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados”.
Na Universidade Federal da Grande Dourados, em Dourados (MS), o TRE confirmou que, com um mandado judicial, interrompeu aula sobre fascismo. O evento era uma palestra organizada pelo DCE. A denúncia foi anônima e afirmava que o evento se chamava “Esmagando o fascismo – o perigo da candidatura Bolsonaro”. Em nota, o DCE nega que esse tenha sido o nome usado, sendo o verdadeiro título “Aula Pública sobre Fascismo”. Em uma publicação nas redes sociais, o DCE publicou uma nota sobre o caso, explicando que o evento já acontecia há 1 hora quando a polícia chegou. “O microfone da atividade estava livre para estudantes que se manifestavam sobre a conjuntura política, as posturas de ódio, violência e a ameaça fascista. No momento da chegada do mandado as falas foram interrompidas. A Polícia Federal também abordou integrantes do DCE, coletou nomes e tirou fotos da bandeira da nossa organização. Repudiamos esse ato de censura à liberdade de manifestação e reunião de pessoas”.
No Rio Grande do Sul, o TRE decidiu na última terça-feira (23) que o evento público denominado “Contra o Fascismo. Pela democracia“, programado para ocorrer hoje, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não poderia ser realizado na instituição. O juiz do TRE destaca que, pelo contexto, é nítido que o ato “se trata de evento político-eleitoral, seja a favor do candidato Fernando Haddad, seja contra o candidato Jair Bolsonaro”. A decisão, assinada pelo juiz auxiliar Rômulo Pizzolatti, do Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-RS), responde a pedido do deputado federal Jerônimo Goergen (PP) e do deputado federal eleito Marcel van Hattem (Novo).
No Mato Grosso do Sul, o TRE confirmou que também cumpriu mandato proibindo aula pública sobre fascismo. O TRE de Minas Gerais confirmou que notificiou a Universidade Federal de São João Del Rey por uma nota que teria sido publicada no site da universidade em “repúdio ao candidato Jair Bolsonaro”. Os tribunais do Pará, Bahia, Goiás e Ceará, onde também houve relatos de ações de fiscalização e apreensão nas universidades não responderam às perguntas da reportagem.
Na noite de 25/10, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, em nota, “manifestou repúdio diante de recentes decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito, que, como todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente. A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral. Quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo, por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de “mandados verbais”, constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição“.
A nota foi lançada na mesma noite em que Maria Aparecida da Costa Barros, juíza do Tribunal Regional do Rio de Janeiro, ameaçou de prisão o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Wilson Madeira Filho, pela colocação de uma faixa na entrada do prédio, com os dizeres: “Direito UFF Antifascista”. Em lugar da faixa, estudantes ergueram uma outra, onde se lê: censurado.
Fonte: O Globo e Revista Fórum.