ANDES debate aborto e capacitismo em Santa Maria
O ANDES Sindicato Nacional realizou um evento nos dia 28 e 29, sexta e sábado, para marcar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto (28/9) e para tratar do Capacitismo nas Instituições de Ensino Superior (29/9). O Sindoif SSind – Seção do ANDES-SN no IFRS, esteve representado pela colega Juliana Battisti do Campus Rolante. O evento teve a participação de todas as seções do RS e de muitos colegas de outros estados.
A Luta pela Descriminalização do Aborto
Representando a frente gaúcha pela legalização do aborto, ZadiZaro lembrou que o patriarcado – sistema que concede uma série de privilégios ao gênero masculino – é milenar, contudo, o sistema capitalista apropria-se, aprofunda e ressignifica a opressão da mulher pelo homem. O objetivo central, disse a painelista, é aumentar a exploração e o lucro, visto que as desigualdades de gênero justificam o pagamento de menores salários e redução de direitos para as mulheres e outras minorias sociais. Outro objetivo é fragmentar as lutas dos trabalhadores, sugerindo que as lutas identitárias concernem apenas aos sujeitos que sofrem a opressão, e não ao conjunto da classe.
No que tange especificamente ao aborto, ZadiZaro explica que as mulheres cujas necessidades levam-nas a abortar são marcadas por forte sentimento de culpa. Devido ao peso moral, mesmo em países em que o aborto é descriminalizado, as mulheres ainda sofrem com o preconceito. E tal preconceito institucionaliza-se quando se mora em um país cujo Congresso Nacional é o segundo mais masculino da América Latina – ficando atrás apenas do Haiti.
Porque as mulheres negras abortam? Porque a maioria delas ocupa empregos informais e, neste caso, não têm acesso a direitos como licença maternidade e não têm condições de manter os filhos, segundo Ariane Moreira, militante em Porto Alegre do movimento de mulheres Olga Benário. Porque não têm um companheiro com quem dividir a carga emocional e econômica que acompanha uma gravidez. Porque são pobres e jovens, entre 19 a 25 anos de idade.
Esses são alguns dos motivos elencados por Ariane. Ressaltando a importância da interseccionalidade, ela coloca as questões de raça e de classe como centrais para o debate sobre a descriminalização. Ainda na escravidão, contou a painelista, as mulheres negras abortavam para que seus filhos não fossem submetidos à condição violenta reservada aos negros e negras. Mais tarde, já mulheres livres, seguiram aderindo à prática por não terem condições materiais de criarem os filhos, ou por necessitarem de manter os subempregos.
Para ilustrar, trouxe o exemplo do Uruguai: nosso vizinho descriminalizou a prática do aborto em 2012 e, segundo pesquisa citada pela painelista, entre 2012 e 2013 os casos de aborto entre as mulheres passaram de 33 mil para 4 mil. Ou seja, antes da descriminalização, as mulheres praticavam muito mais aborto do que após a promulgação a lei. Ariana explica que essa diminuição deve-se ao fato de, junto à descriminalização, o governo uruguaio ter intensificado políticas e campanhas sobre métodos contraceptivos e saúde da mulher. Na contramão disso, em países orientados por leis mais severas sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o número de abortos é altíssimo. “A maior parte dos países do norte já descriminalizou”, conclui Ariana.
Tratando o tema na perspectiva da religiosidade, num primeiro momento pode parecer que a questão do aborto é frontalmente contrária ao campo religioso. Para Paula Grassi, do grupo ‘Católicas pelo direito de decidir’, não é bem assim. Nascida e criada em Caxias do Sul, cidade de imigração italiana, cresceu em meio a atividades da igreja católica e, quando adolescente, passou a integrar a Pastoral da Juventude. Por participar da coordenação nacional da Pastoral, ela pode ter contato com os cargos mais altos da igreja católica e percebeu que, em sua esmagadora maioria, eram compostos de homens. Homens que se posicionavam e decidiam sobre a vida das mulheres.
“Como pode uma religião que tem tantas mulheres devotas não nos dar liberdade para falar sobre nossas vidas?”, questiona Paula, para quem a criminalização do aborto é sustentada, centralmente, pela moral cristã que associa a mulher às ideias de culpa e sacrifício.
Mesmo o Papa Francisco, saudado como uma figura relativamente progressista, traz um discurso problemático sobre o aborto, dizendo que as mulheres que o praticam devem ser ‘perdoadas’. Contudo, embora benevolente, o discurso papal ainda situa o aborto no campo pecaminoso.
“Antes mesmo das religiões existirem, as mulheres já abortavam. Penso que a questão não é ‘você é favorável ou não ao aborto?’, a questão é ‘você é favorável ao aborto clandestino ou ao aborto legal e seguro?’”, conclui Paula.
As mulheres com deficiência são consideradas sujeitos assexuados. A constatação é de Anahi Guedes de Mello, militante e pesquisadora da UFSC. Para ela, é direito da mulher ter autonomia sobre seu próprio corpo. “O ônus fica sempre com a mulher, e o Estado não dá assistência pública. Descriminalizar o aborto é urgente por questões de saúde pública”
O capitalismo desenvolve-se entre a exploração escancarada e a alienação, diz Livia Barbosa, do Instituto Anis – O aborto no Brasil. “O capitalismo conta com a desigualdade de gênero para continuar existindo. As mulheres estão sob vigília constante do capital. Não encontramos nenhum correspondente jurídico para criminalizar os homens como existe com as mulheres”, disse, defendendo o esforço reiterado para dialogar com a população sobre essas temáticas.
Capacitismo
No dia 29 o evento na Sedufsm SSind abordou o tema do capacitismo. O debate sobre temas ligados à deficiência física ainda ocupa um lugar periférico na universidade. A afirmação é de Livia Barbosa, professora do departamento Social da Universidade de Brasília (UnB), que estuda, entre outros assuntos, bioética e pessoas com deficiência. Ela participou, na manhã do sábado, do painel “A luta contra o capacitismo nas Instituições de Ensino Superior”, atividade organizada por três grupos de trabalho do ANDES-SN: de Política Educacional (GTPE), de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) e de Política de Classe, questões étnico-raciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS). Também participou dessa discussão Anahi Guedes de Mello, antropóloga e cientista social, professora do departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A incipiência dessa discussão, ressalta Livia, tem uma relação direta com o sistema político e econômico no qual vivemos, que é o capitalismo. Segundo ela, citando diversos estudos, a prioridade são as necessidades do próprio sistema, que se sobrepõem às necessidades das pessoas. Pelo fato de que, para o Capitalismo, o que importa é a produtividade máxima, ou seja, quem tem dificuldade para produzir, torna-se desimportante. Nesse sentido, ela entende a existência de uma hierarquização dos corpos. O funcionamento corporal é definido a partir de uma expectativa de normalidade, através de um conceito chamado de “corponormatividade”. Ou seja, a normalidade de um corpo é ter dois braços, duas pernas, dois olhos, dois ouvidos. O diferente disso é visto de forma estranha.
Anahi Mello, professora da UFSC, e que vive na pele as barreiras impostas à deficiência física, por ser surda, iniciou sua explanação destacando, assim como Livia Barbosa, que o “capitalismo hierarquiza os corpos”. Com o auxílio de lâminas projetadas, ela destacou de forma simples o conceito de “capacitismo”. Conforme o conceito trazido por ela, o capacitismo está vinculado a uma postura preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da adequação dos corpos à “corponormatividade”.
Amplificando a compreensão do termo, Anahi ressaltou que o capacitismo é uma “categoria que define a forma como as pessoas com deficiência são tratadas, de modo generalizado, como incapazes (de produzir, de trabalhar, de aprender, de amar, de cuidar, de sentir desejo e ser desejada, de ter relações sexuais, etc)”. Esse modo de ver, segundo a professora, “aproxima as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a outras discriminações sociais, como o sexismo, o racismo e a homofobia”.
Fonte: Sedufsm SSind. Fotos: Juliana Battisti