Referendo põe fim à criminalização do aborto na Irlanda
Galway, Irlanda. 2012. Savita Halappanavar começou a sofrer um aborto espontâneo, mas teve assistência médica negada porque a Constituição irlandesa garantia o direito à vida do feto. Com 17 semanas de gestação, a jovem de 31 anos agonizou por dois dias, desenvolveu uma sepsia e morreu quatro dias após o falecimento sua filha prematura.
Seis anos depois, em 25 de maio de 2018, seu retrato estava exposto em uma praça no centro de Dublin, capital do país, enquanto dezenas de milhares de pessoas esperavam pela divulgação do resultado do referendo que decidiria o futuro da Oitava Emenda Constitucional da Irlanda – justamente a que impedia a realização de abortos no país e que levou Savita, e milhares de outras mulheres, à morte.
Muitas pessoas foram às lágrimas com o resultado da votação. 1,42 milhões de irlandeses se posicionaram pelo fim da Oitava Emenda e apenas 723 mil pela manutenção da proibição dos abortos. Uma vitória acachapante, com 64% dos votos válidos. País com forte presença da Igreja Católica, a Irlanda passou a tratar todos os casos de aborto como ilegais desde 1983, com a aprovação da Oitava Emenda. Apenas em 2013, passaram a ser permitidos abortos em caso de risco à vida das mães. Até 1985, o uso de contraceptivos era proibido na Irlanda e o divórcio só passou a ser legal no país em 1990.
Após o resultado, o ministro da saúde irlandês, Simon Harris, afirmou que solicitou à sua equipe a formalização de um projeto de lei que passará a garantir o direito ao aborto entre 12 e 24 semanas de gestação. Na lei, estará prevista a objeção de consciência dos médicos, que, entretanto, serão obrigados a encaminhar a grávida a outro médico.
Savita Halappanavar foi apenas um dos símbolos de uma luta encampada há décadas pelas mulheres irlandesas. Amanda Mellet e Siobhan Whelan enfrentaram, respectivamente em 2016 e 2017, graves complicações para encerrar suas gravidezes, cujos fetos apresentavam anomalias. Elas acabaram abortando no exterior e denunciaram a Irlanda ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Irlanda do Norte
A Irlanda do Norte, única nação do Reino Unido a proibir o aborto em quaisquer casos, já começa a sentir as consequências do referendo no país vizinho. O movimento de mulheres norte-irlandesas, a Anistia Internacional e diversos políticos de Belfast já passaram a pressionar Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido, para modificar a legislação de aborto no norte da ilha.
Avaliação
Caroline Araújo Lima, 1ª vice-presidente da Regional Nordeste III e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho de Política de Classes para Questões Étnico-raciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, comemora a vitória das mulheres irlandesas pelo direito a decidir sobre seus próprios corpos. “A vitória no referendo demonstra que os movimentos feministas ganharam espaço na luta por seus direitos. É resultado da organização das mulheres em torno da pauta feminista, e esse crescimento se vê inclusive dentro de organizações religiosas, como a Igreja Católica”, comenta a docente. “O ANDES-SN aprovou em 2015 posição a favor da descriminalização do aborto e, em 2018 pela legalização do aborto. Não podemos pensar as lutas por direitos trabalhistas e pela educação pública sem articular essas pautas com as lutas das mulheres, que são praticamente metade da categoria docente”, conclui Caroline.
Com informações de Irish Times, Nexo e Carta Capital. Imagem de Carta Capital.