Direito ao Aborto Seguro – uma luta de professoras e professores comprometidos com a vida

Por sindoif

Nos últimos dias acompanhamos pelos noticiários e redes sociais o caso da menininha de apenas dez anos que precisava interromper uma gravidez fruto de um estupro. A criança vivia no interior do Espírito Santo e era abusada pelo seu tio (que finalmente foi preso) desde os seis anos. Entenda porque o ANDES-SN defende o direito ao aborto seguro como princípio de defesa da vida das mulheres.

Em casos como da menina capixaba, o Código Penal, datado de 1940, prevê o direito ao aborto. No entanto, o que poderia ser acesso a um direito de um mínimo de dignidade após tamanha violência, era apenas o início do calvário desta garotinha. Seu pedido não foi acolhido no ES, o caso foi parar na justiça e a mesma teve que se deslocar para Pernambuco para realizar o procedimento de forma segura. E aí já se passaram cinco meses. Não bastasse toda esta demora, no domingo, 16/8, o nome dela foi exposto junto com o endereço da Clínica em Recife, assim como o nome do médico responsável pela Equipe.

Ainda, a pessoa responsável por mais esta violência, junto com outros “cristãos”, conclamaram uma horda de moralistas que se amontoaram na entrada da Clínica, aos gritos de “assassinos”, rezando para que a pequena não interrompesse a gravidez. Neste ato cruel, causaram tumulto, atrapalhando o ingresso de profissionais da saúde e de gestantes no local. A menina e sua avó tiveram que entrar clandestinamente, escondidas no porta-malas de um carro. Assim, as mesmas sofreram uma série de violências. Faltam palavras para expressar o horror e a revolta que esta situação desencadeia. Foram dias duros, tensos, que trouxe à tona um mar sem fim de revelações de feridas abertas e traumas silenciados no seio da Tradicional Família Brasileira, que silencia os abusos cometidos e desconfia das vozes que os denunciam.

Perguntamos: como as informações sigilosas vazaram? Quem as divulgou tem nome, sobrenome e usa tornozeleira eletrônica, resultado de outros crimes cometidos. Não bastasse esta série de atrocidades, se olharmos alguns comentários na internet, percebemos que este tipo de ação se estende aos meios virtuais. Inúmeros comentários de julgamentos culpabilizando a vítima ou mesmo dizendo que o tio teria direito de sentir prazer com seus fetiches, nos deixam ainda mais horrorizados.

Os números de estupros no Brasil são alarmantes. Dados do Ministério da Saúde revelam que não se trata de um caso isolado, este que ocorreu no Espírito Santo. Somente em 2018, 21 mil crianças tiveram filhos no Brasil. Lembremos que toda a gravidez de meninas de até 14 anos é resultado de estupro de vulnerável. No mesmo ano, 43 meninas negras deram à luz a cada dia. E, destas, nove meninas tiveram morte obstétrica, porque seus corpos ainda não estão prontos para uma gestação. Os ditos defensores da vida não consideram a vida dessas meninas? O crime de violência sexual deixa marcas indeléveis para o resto da vida. O que as vítimas necessitam é de acolhimento, proteção e que seus direitos sejam respeitados, sem re-vitimização. O Brasil registra seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos (leia aqui).

O excelente trabalho dos profissionais de saúde do SUS, vinculados ao Centro Integrado Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (CISAM/UPE), que acolheram a garotinha capixaba e realizaram o procedimento de forma segura, apesar de tantas adversidades, deve ser enaltecido. Segundo reportagens, ela passou o tempo todo agarrada a uma girafa de pelúcia e disse que queria voltar pra casa pra jogar futebol (leia aqui). Não há o que se comemorar em um aborto. Se precisou garantir um direito, por conta de um crime que foi cometido. Ninguém faz aborto por esporte ou por diversão, como acusam levianamente moralistas de plantão. Aborto dói, seja por perda gestacional espontânea seja por interrupção induzida.

Enquanto professoras e professores sindicalizados em uma organização classista, como o ANDES-SN, não podemos paralisar na indignação e na tristeza. Este sindicato tem se mantido firme no posicionamento pelo Direito ao Aborto, não apenas em caso de estupro. Em 2018, a então vice-presidenta do SINDOIF Seção Sindical, Andréia Meinerz (Campus Restinga), nos representou no Festival pela Vida das Mulheres, um histórico e inesquecível momento de luta que reuniu mulheres de todo o Brasil e do mundo. O evento, ocorrido em Brasília, acompanhou as Audiências Públicas da ADPF 442, que pedia a descriminalização do aborto no Brasil. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442 foi discutida em duas audiências públicas convocadas pela ministra Rosa Weber, relatora do processo. A ADPF 442 foi proposta pelo PSOL com assessoria técnica da Anis – Instituto de Bioética, e pedia a exclusão do Código Penal dos artigos 124 e 126, que definem como crime a interrupção da gravidez tanto para a mulher quanto para quem a ajuda a abortar.

Uma das falas mais impactantes na época foi a da Professora Débora Diniz, que atualmente encontra-se exilada do país (ou em desterro, como ela prefere dizer) por conta das perseguições e ameaças que sofreu em 2018. Débora Diniz é uma professora e pesquisadora conhecida, respeitada e competente. Junto com Eliane Brum, foi responsável pelo curta “Uma História Severina” (clique no link para ver na íntegra),  divulgado em 2010, que conta sobre o drama vivido por uma mãe pernambucana que durante sua gestação descobriu que seu feto era anencéfalo. O enredo trata de uma via-sacra real, também protagonizada em Pernambuco. Em 20 de outubro de 2004 Severina Maria Leôncio Ferreira, grávida de 4 meses, internou no hospital do Recife para interromper sua gestação, mas na mesma tarde em que ela realizava os procedimentos médicos para a cirurgia que seria feita na manhã seguinte, o STF derrubou a liminar que permitia a antecipação do parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Mulher pobre, do interior, junto com seu marido, viveu três meses de angústia até conseguirem a autorização judicial e posteriormente comprar a roupa para o sepultamento do filho. Mesmo com a autorização judicial, vários médicos negaram atendimento até conseguir realizar o procedimento, sofrendo por 30 horas de trabalho de parto as terríveis contrações. O sofrimento de Severina teria sido evitado se a lei de 1940 tivesse sido cumprida.

Na Audiência referida, Débora argumentava utilizando os resultados de sua pesquisa sobre o perfil da mulher que aborta no Brasil. Um dos dados mais marcantes do material é que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez ao menos um aborto na vida. A maioria fez aborto quando jovens, entre 20 e 24 anos, e hoje já tem filhos. Segundo Débora, essa mulher “sabe o significado e a seriedade da maternidade, é alguém que aborta porque vive o cuidado maternal e se vê diante do imperativo de não ser capaz, por diversas razões, de levar adiante uma gestação”. Também de acordo com a pesquisa, 56% professam a religião católica e 25% são evangélicas. “Nós as conhecemos na casa ou na comunidade. Aos domingos na igreja ou no culto. Ela é a mulher comum brasileira”, disse a autora da pesquisa. A abstração dos números, de acordo Débora, esconde que, apesar do aborto ser um evento comum na vida das mulheres, há uma distribuição desigual do risco com a maior concentração entre as mulheres mais jovens, mais pobres, nortistas e nordestinas, negras e indígenas. “São aquelas mulheres que enfrentam o aborto com uma desproteção integral do Estado brasileiro aos seus direitos fundamentais”. A íntegra da manifestação da Profª Débora Diniz está registrada em vídeo e pode ser acessada aqui.

No contexto da pandemia, por conta do confinamento, as crianças e mulheres ficam ainda mais vulneráveis à violência. A escola acaba sendo um local parte da rede de apoio de uma criança onde geralmente aparece sinais de seus sofrimentos. Em parceria com outros órgãos como o Conselho Tutelar, esta rede auxilia nas denúncias e encaminhamentos. Na impossibilidade de estar na Escola, a vulnerabilidade das crianças aumenta ainda mais. Cabe a nós estarmos atentos. Nós professoras e professores, somos acusados de doutrinadores e promotores da tal ideologia de gênero. Querem nos proibir de abordar assuntos inerentes à educação sexual na escola. O obscurantismo e os retrocessos não se resumem ao negacionismo, ao terraplanismo anticientificista, ao movimento antivacina e às teorias da conspiração. Ele se estende ao campo da ética, quando o moralismo e seus cânones hipócritas se alastram como bestas feras destruindo vidas meninas como a garotinha com sua girafa de pelúcia e mulheres como Severina em nome das supostas vidas de embriões que visam defender. A luta pela garantia do Direito ao aborto é uma luta de todos, todas e todes! E nós, professoras e professores deste sindicato estamos nesta luta desde sua fundação. Isso passa por defender o Sistema Único de Saúde, defender Educação Sexual nas instituições de ensino e desmascarar a falácia da ideologia de gênero.

Como dizemos desde sempre, sindicato é pra lutar, não para assistir! Por isso lutamos pelo direito ao aborto seguro.

 

 

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